Bookcase: uma estante para livros.

Eu sempre gostei muito de ler, não importa o tipo de livro ou revista, desde que seja bom e cative a leitura. Eu vinha guardando os livros em um espaço no guarda-roupa, mas aos poucos o espaço foi ficando pequeno para os livros e revistas que tenho. Então surgiu a ideia de fazer uma estante para livros. Após me inspirar em várias fotos de bookcases na internet, defini as linhas gerais e comecei fazer.

O resultado está nas fotos abaixo.







Puxadores feitos em itaúba.


Abaixo tem uma sequência de fotos da construção da estante.

A estante foi feita em madeira louro-freijó e compensado sarrafeado, folheado em louro freijó de ambos os lados. A montagem do caixote em compensado é simples e rápida, com parafusos, pinos ou pregos e cola.


A estrutura em forma de caixote feita de compensado. No vão livre inferior teremos duas portas de madeira e no restante acima duas portas com vidro.


Na frente da estante vai um quadro em madeira, também louro-freijó, que serve para encabeçar o compensado e dar suporte às portas.

Caixa em imbuia, restauração.

Tenho uma amiga que faz belíssimos arranjos para natal, festas e outras ocasiões. Uma de suas clientes pediu se ela não conhecia alguém para reformar ou restaurar uma caixa de faqueiro e minha amiga lembrou-se de mim. Então ela me apareceu com esse antigo faqueiro, uma caixa em imbuia para restaurar ou reformar da melhor forma que fosse possível e, detalhe, em uma semana. Restauração pode proporcionar surpresas e levar tempo, pois inúmeros contratempos podem acontecer, já que a gente não tem ideia de como as coisas foram feitas, que materiais foram usados, etc...

Depois do exposto, vemos que restauração e prazo curto muitas vezes não funcionam juntos, pode ser uma simples raspagem da tinta ou verniz seguido de novo acabamento, como pode ser necessário fazer reparos maiores, reconstrução de algumas partes, busca por materiais que nem sempre são encontrados facilmente, etc. Mas como estava com tempo e também em consideração a essa amiga, decidi aceitar.

Não tenho fotos do antes nem do durante da reforma, mas a caixa estava basicamente com uma tinta preta, emborrachada e áspera por fora, a tampa estava empenada e a fechadura não funcionava. A fechadura foi simplesmente trocada por um modelo idêntico.

Inicialmente tentei lixar a caixa, mas não foi possível lixar já que a tinta empapava a lixa, foi preciso retirar raspando com uma raspilha manual e plainas. Durante a raspagem da tinta a madeira revelou ser de uma grande beleza, uma imbuia bem escura com alguns rajados em marrom claro amarelado.

O tampo da caixa era um compensado com um trabalho de marchetaria sobre ele. Durante a raspagem as lâminas de imbuia se soltaram em algumas partes, mas mesmo assim queria manter o tampo original, fazendo pequenos enxertos, etc. Esse compensado era simplesmente colado ao tampo mostrando, na sua borda, o miolo do compensado e, para esconder esse miolo, fiz um pequeno recorte para inserir uma borda de imbuia, em madeira mesmo. Ao fazer esse recorte descobri que o compensado estava se soltando, descolando suas lâminas internas: não era mais possível manter o tampo original.

Então parti para a confecção de um novo tampo com lâminas de imbuia, refazendo a marchetaria e inserindo nas bordas dele uma pequena tira em madeira, do mesmo tom da caixa. Infelizmente não encontrei lâminas no mesmo tom do tampo original. A imbuia é uma madeira que varia muito de tom, essas lâminas que usei eram bem mais claras que as originais. Por falta de tempo, o tampo novo ficou com um tom mais claro que o original.

De acabamento foram 4 demãos de óleo de tungue polimerizado, seguidas por fim de duas finas camadas de cera a base de carnaúba. O óleo de tungue, desde que seja 100% puro é um produto seguro para ser usado em utensílios que irão entrar em contato com alimento.


A caixa pronta.

As lâminas do tampo parecem ser em tons diferentes uma da outra, duas escuras e duas claras, mas  é apenas um efeito da  luz incidindo sobre elas de um ângulo lateral. Isso ocorre pois na hora de fazer a marchetaria, para os veios das madeiras se encaixarem é preciso virar duas lâminas ao contrário, assim suas fibras correm em ângulo diferente e refletem a luz de forma diferente. Sob outros ângulos não é possível ver essa diferença.

Aqui novamente a diferença por conta da luz lateral.

Detalhe do tampo com as bordas em madeira, escondendo o topo do compensado e dando resistência  à peça.

Dando um trato nela

Eu uso muito ferramentas manuais quando estou trabalhando a madeira. Embora seja possível fazer isso em uma mesa, é muito mais fácil, rápido e eficiente fazer em uma bancada de marceneiro com morsas para se fixar a madeira a ser trabalhada.

Minha bancada foi feita há muito tempo e apesar de usá-la muito, havia dado pouca manutenção. Além disso a havia deixado incompleta, faltando uma morsa. Resolvi dar uma reforma geral e fazer a morsa que faltava.

Tempos atrás já escrevi poesias, tive uma época de escrever muito, mas ultimamente escrevo quase nada. Por uma coincidência da vida enquanto eu dava um trato na bancada as palavras e ideias foram surgindo à mente. Não sei se pode ser chamada de poesia, prefiro chamar de uma brincadeira com as palavras.

Como se trata de uma brincadeira, sugiro ler a poesia toda antes e, depois, voltar relendo e clicando nos links para as fotos.

Dando um trato nela

Anos e mais anos de uso e abuso
Servindo calada. Carinhos? Nenhum!
Tão cheia de marcas, cortes e pancadas.
Cuidados? Não tive em momento algum!

Desde seu início
Só ganha porrada,
Ficou até mesmo
De costa arqueada.

Nunca tive pena
De usar e abusar.
A surra foi tanta,
Deixou a coitada
'Té de perna bamba!

Resquício passados
De uso intenso,
Viscoso, melado,
Leitoso e grudento.
Tal qual uma amante,
Por sobre seu dorso
Tem até meu sangue.

Mas chegou o dia
De lhe dar um trato!
Pegar com jeitinho,
Cuidar de você,
Só nós dois, sozinhos!

Com muita vontade
A pego de jeito,
Desmonto seu corpo,
A viro do avesso.

Sem folga nenhuma
Trabalho na frente,
Ajusto, alinho
Seu novo mordente.

Depois de um tempo
Abro suas pernas,
Encunho as furas,
Encaixo a travessa.

Depois de dois dias
De intenso trabalho
A vejo de novo
Firme e no esquadro.

Ao vê-la de novo
Firme e retinha,
Não tem outro jeito,
Garlopo em cima!

Depois a aliso,
Esfrego, esfolio,
Dou banho de óleo.
Enfim eu sorrio!

Agora está pronta,
P'ra mais alguns anos
De muito serviço.

Mais forte e mais reta,
Bonita e tratada.
Essa é a sina
Da minha bancada.

À beira do rio Aquidauana, 18/09/2010

Caixinha chinesa

Estava fazendo uma caixa, na verdade ela já estava pronta, e resolvi fazer uns pés em estilo chinês para a caixinha, mais como uma forma de desafio. Sempre gostei de pés curvos, mas em estilo chinês nunca havia feito.

Caixa em cedro rosa (madeira clara) e canjerana (madeira mais escura da tampa). As laterais são unidas através de encaixes em rabo-de-andorinha feitos com ferramentas manuais.

Há algum tempo minha prima me mandou várias fotos de móveis chineses. Estava olhando as fotos e, observando os pés dos móveis, percebi que eles possuem várias características que os definem, que fazem com que tenham a cara de chinês. Uma das fotos que mais me chamou atenção foi essa abaixo.

Detalhe dos pés de um móvel chinês.

Estas características abaixo são encontradas em vários móveis chineses, seja uma característica ou várias juntas.
  • A união das travessas com os pés é um encaixe de meia-esquadria tripla.
  • Os pés são curvos para dentro, além disso, as travessas que unem os pés acompanham o desenho deles.
  •  Há um friso na parte interna dos pés e na parte de baixo das travessas travessas.
  • Um rebaixo, uma moldura, algo que defina uma separação nítida entre o móvel e os pés. 

Inspirado nessa foto, fiz os pés em madeira canjerana, a mesma madeira vermelha usada na tampa.





Espigas e seu uso (2/2)

Agora vamos ver os tipos de espigas mais usados em marcenaria.

Espiga e fura cega (Blind mortise and tenon)

Blind mortise and tenon
Figura 10: Espiga e fura cega.

É a mais comum das espigas, onde a fura não atravessa para o outro lado, por isso chamada de espiga cega. Também é chamada simplesmente de espiga.


Espiga haunched (Haunched mortise and tenon)

Esse é um tipo de espiga usado sempre na borda das peças. Se fôssemos fazer uma espiga normal no canto da peça, ficaria uma quantidade pequena de madeira no topo da peça da fura. Com pouca madeira no topo (Fig. 11) , qualquer esforço faria rachar o topo da peça da fura.

Figura 11: Encaixe fraco: a fura está muito perto do topo da peça.

Uma alternativa é recuar a espiga, deixando um pouco mais de madeira no topo da peça da fura (Fig. 12). Porém, abaixando a espiga diminuímos sua altura e diminuímos junto a resistência contra torção.

Figura 12: Espiga recuada: dessa forma a fura não fica perto demais da borda.



Espigas e seu uso (1/2)

Esse artigo vai para aqueles que gostam de marcenaria. É um pequeno artigo cujo conteúdo é muito comum de ser encontrado em livros e revistas em inglês. Mas, como toda informação sobre marcenaria, é algo raramente encontrado em português.

A espiga e fura é um dos métodos mais usados para unir peças de madeira, é também um dos mais antigos, sendo encontrado em sarcófagos do Egito. Primeiro vamos ver a nomenclatura das partes do encaixe. Como não tenho nenhuma literatura em português, traduzi livremente os termos usados em inglês.

desenho de uma espiga
Figura 1: As partes de uma espiga.
A regra básica para as medidas de uma espiga é de que a espessura dela deve ter em torno de um terço da espessura da peça da fura. Se a espiga for mais fina, ficará fraca; enquanto que se a espiga for mais grossa, as paredes laterais da fura ficarão fracas. Na prática é uma questão de escolher a ferramenta que mais se aproxime dessa medida de um terço: caso a fura seja feita a mão, o formão com largura mais próxima; caso seja feita a máquina, a fresa ou broca mais próxima.

O comprimento da espiga tem uma regra básica de ser pelo menos cinco vezes a espessura da espiga. Na prática, quanto mais comprida a espiga mais resistência dará. Então, caso a espiga não seja vazada, o ideal é fazer a fura o mais profunda possível, deixando ainda uma sobra razoável de madeira do lado oposto a fura, para que não fique muito fraca e quebre facilmente.

espigas
Figura 2: Espiga dupla à esquerda e espiga central com haunchs  à direita.
Já a altura da espiga é um pouco mais complicado. Geralmente ela não deve ser muito maior do que o comprimento, pois caso fosse iria dar pouca resistência contra flexão. Uma alternativa caso a espiga seja muito alta, é dividi-la em duas ou mais. Ou fazer uma espiga haunched, com a espiga central comprida, e os haunchs em cima e em baixo, que darão uma maior resistência contra torção, conforme a figura 2.

Lembrando que essas regras são um ponto de partida, não uma verdade absoluta. Cabe ao marceneiro decidir as medidas finais. Alguns projetos sofrem mais forças em um sentido do que em outro, assim o marceneiro pode e deve estudar seu projeto, decidindo as medidas ideais da espiga para dar mais resistência nesse ou naquele sentido.


Caixinha e Luminária

Uma amiga iria fazer aniversário e resolvi fazer algo para presenteá-la. Inicialmente fiz uma caixinha.

caixinha pronta
A madeira mais clara dos pés é louro-freijó, enquanto a madeira alaranjada é peroba-rosa de demolição.

vista explodida
Um desenho da caixinha mostrando todos encaixes.

Resolvi fazer uma luminária no mesmo estilo para fazer conjunto com a caixinha.  Algumas fotos do processo:

aplainando madeira
Aplainando uma velha tábua de peroba-rosa que já foi parte de uma casa, depois foi andaime, e agora virou caixinha e luminária. Uma madeira que parece velha, sem vida, mostra sua cara após umas passadas de plaina. Essa plaina é uma garlopa, plaina grande com cerca de 50 cm de comprimento usada para deixar a madeira perfeitamente plana.

Uma mesinha de centro

A pedido de um amigo fiz uma mesinha de centro, com cerca de 50 x 80 cm. A madeira escolhida é louro-freijó e peroba-rosa de demolição.

As espigas foram feitas usando um serrote japonês, uma ferramenta ótima para cortes de precisão.

A peroba-rosa é de demolição, eram ponteiras do telhado de uma casa.

Depois de aparelhada e serrada nas medidas, a peroba ficou assim. Essas ripas vão compor o painel central do tampo da mesinha.

O quadro da mesinha é feito em catuaba, uma madeira parecida com louro-freijó. Os encaixes nos cantos são em meia esquadria com espiga vazada, um encaixe muito utilizado em móveis chineses.